Durante a década de 90, enquanto muitos se deslumbravam com a prevalência cada vez maior dos JRPGs no ocidente, os fãs do gênero ocidental ficavam a ver navios, com poucos lançamentos de impacto no mercado. The Elder Scrolls ainda não era o grande fenômeno que é hoje, e Fallout era um dos poucos nomes conhecidos.
Um pequeno estúdio, fundado por Ray Muzyka, Greg Zeschuk e Augustine Yip, estava prestes a mudar o cenário dos Western RPGs para sempre. Formados em medicina, criaram um gosto pela programação após aprenderem a desenvolver para um software que utilizavam na universidade, voltado para fins médicos.
Fãs de videogame, abriram a BioWare em 1995, com o conhecimento que haviam adquirido na faculdade. Seu primeiro jogo, Shattered Steel, foi um sucesso mediano, mais que o suficiente para que buscassem dar o próximo passo na indústria. Este passo foi Baldur's Gate, de 1998.
O jogo, fruto de uma licença da então distribuidora da BioWare, Interplay, com os donos da franquia Dungeons & Dragons, tornou-se um grande sucesso, colocando o gênero Western RPG de cabeça para baixo.
O primeiro jogo utilizou como base as regras e a mecânica do famoso RPG de mesa Advanced Dungeons & Dragons, mais precisamente a segunda edição. Advanced Dungeons & Dragons difere da versão original por trazer regras mais detalhadas, mecânicas mais complexas e mais detalhes quando se trata de classes e a adição de novos elementos, como o, hoje mundialmente famoso, sistema de alinhamento com nove opções.
Baldur's Gate utiliza-se da famosa engine Infinity, resultado do desenvolvimento de uma tech demo chamada Battleground Infinity. Luke Kristjanson, escritor do primeiro jogo, disse em entrevista para o portal Eurogamer: “Começou como um pitch/demo para um jogo IP de fantasia original. Pelo que ouvi, eles levaram o pitch para a Interplay e disseram: 'nós gostamos de D&D, então é parecido com isso'.”
Tudo isso aconteceu enquanto os fundadores da BioWare ainda praticavam suas profissões originais: doutores. O desenvolvimento de Baldur's Gate fez com que, aos poucos, se voltassem para o desenvolvimento do jogo. A ambição de uma equipe nova e inexperiente não impediu o grande sucesso do jogo. E os frutos vieram. Baldur's Gate vendeu mais de 2 milhões de cópias no mundo inteiro, colocando-se como um dos maiores RPGs do final da década de 90 junto com outro clássico: Diablo.
Em uma antiga entrevista para o portal IGN, um dos desenvolvedores do jogo, Mark Darrah, comentou sobre o jogo: “Baldur's Gate foi, de muitas maneiras, um triunfo para nós que não sabíamos nada melhor. Ninguém na equipe era veterano da indústria. Como resultado, tentamos coisas que grupos mais experientes teriam evitado. Baldur's Gate é o jogo que é por causa disso. A ambição transparece.”
OS ANOS SEGUINTES DA BIOWARE
BioWare foi a responsável por diversos jogos importantes de RPG ocidentais.
Ainda surfando no sucesso do primeiro jogo, a BioWare e a distribuidora Interplay lançaram Baldur's Gate 2: Shadows of Amn, em 2000. O jogo é tido não apenas como um dos melhores Western RPGs de todos os tempos, mas também como um dos melhores jogos de todos os tempos.
Entretanto, as coisas não andavam bem para a distribuidora que sempre apoiou a BioWare: Interplay. A empresa passou por uma grande crise no ano de 2001, enquanto a BioWare migrou para a Infogrames, atual Atari.
Sob a tutela da Atari, o estúdio lançou jogos como Neverwinter Nights, Jade Empire e Star Wars: Knights of the Old Republic. Em 2005, o estúdio foi comprado pela Electronic Arts. Em 2007, lançou mais sucessos: Mass Effect e Dragon Age: Origins.
BHAALSPAWN SAGA E THE DARK ALLIANCE
Snowblind Studios foi responsável pelos jogos spin-off Baldur's Gate Dark Alliance 1 & 2
Quando se trata dos jogos principais, estamos falando do que fãs e estúdios chamam de Bhaalspawn saga: A história principal de Baldur's Gate, conforme os dois primeiros jogos da BioWare e o terceiro, da Larian Studios.
Com o declínio da Interplay e a saída da BioWare, Baldur's Gate passou a ser desenvolvido por diversos outros estúdios, sob tutela da distribuidora original, que, ainda sob tremenda crise financeira, apostava na força da franquia para tentar reverter os prejuízos.
Um destes, Snowblind Studios, conseguiu, com sucesso, produzir Baldur's Gate: Dark Alliance, spin-off da série principal, lançado para diversos consoles em 2001. Apesar do sucesso e da consequente produção de uma sequência em 2004 por outro estúdio da distribuidora, Black Isle Studios, não foi o suficiente para salvar a Interplay, que logo fecharia as portas.
ENTRA A LARIAN STUDIOS
Larian Studios impressionou com os projetos independentes Divinity: Original Sin que chamou a atenção para o desenvolvimento de Baldur's Gate III
Com o passar dos anos, após o fechamento da Interplay, os direitos sobre a série passaram para as mãos da Atari, enquanto a Black Isle brigava na justiça pelos direitos da marca The Dark Alliance com os representantes da empresa falida.
Anos depois, com os direitos sobre a franquia nas mãos da Wizards of the Coast, donos de Dungeons & Dragons, a Larian Studios se ofereceu para o desenvolvimento de um novo Baldur's Gate. Porém, este pedido foi negado. Foi preciso mostrar mais trabalho para que eles fossem convencidos a oferecer a franquia ao novo estúdio.
Isto foi possível com o sucesso dos próprios RPGs da Larian: a série Divinity foi boa o suficiente para ganhar uma sequência, e o respeito da Wizards.
Baldur's Gate 3 se baseou no livro de regras da quinta edição de Dungeons & Dragons, continuando uma tradição vista desde o primeiro jogo da BioWare.
O FENÔMENO BALDUR'S GATE 3
Baldur's Gate III foi um sucesso avassalador e se tornou uma referência de como desenvolver um jogo incrível
O jogo se passa um século antes dos acontecimentos do segundo jogo da franquia e o RPG de mesa Baldur's Gate: Descent into Avernus, de 2019, em Faerûn, na região de Sword Coast, onde o jogador pode visitar Baldur's Gate, a maior e mais rica cidade daquele mundo, que dá o nome ao jogo.
O jogo permite que o jogador crie seu personagem, assim como se cria uma ficha para Dungeons & Dragons. Uma vasta gama de opções para deixar seu personagem completamente personalizado foi vista pelos fãs como uma das principais atrações do jogo. Além disso, um personagem específico, The Dark Urge, também pode ser escolhido pelo jogador, junto a outras 6 personalidades base, que podem se juntar à party do jogador, em uma grande aventura contra o Absolute.
Baldur's Gate 3 tornou-se um grande sucesso no ano de 2023, ganhando uma série de prêmios, incluindo os de Jogo do Ano no The Game Awards e Golden Joystick Awards, além de ser considerado um dos melhores RPGs de todos os tempos, assim como o primeiro e o segundo jogo.
A Larian Studios encerrou sua parceria com a Wizards of the Coast logo após o lançamento do jogo. Desta forma, não há previsão de DLCs ou sequências diretas para Baldur's Gate 3. Não ao menos pelas mãos da Larian. O diretor do jogo, Swen Vincke, declarou em entrevista para a IGN: "Estamos na posição luxuosa agora que podemos escolher nosso próprio destino e nosso próprio caminho, o que é muito legal. Então, espero que possamos sustentar isso. Tenho dois objetivos principais para o estúdio: ser capaz de fazer coisas que gostamos de fazer e garantir que seja sustentável para que possamos continuar fazendo isso."
São poucas as franquias que conseguem brilhar, mesmo nas mãos de diversos estúdios. Baldur's Gate teve a graça de, seja qual for o estúdio, ter sempre em mãos uma obra-prima de seu gênero. Outro fator incomum é a confiança na não necessidade de DLCs ou mais spin-offs, como é o costume do restante da indústria. Baldur's Gate 1 e 2 tiveram expansões, porém a Larian Studios confia no sucesso de Baldur's Gate 3 na forma em que ele está.
Nos resta observar qual será o próximo grande estúdio a ousar com um novo jogo da franquia, caso isso seja possível. Quem sabe um dia, Baldur's Gate 4 possa ser um grande sucesso para o estúdio, como foi para BioWare e Larian Studios.