A história dos videogames na China é marcada por um desenvolvimento tardio e cheio de desafios, em comparação com outras potências da indústria, como Japão e Estados Unidos. Durante os anos 80 e 90, a presença de videogames no país era limitada principalmente pela censura rígida e pela dificuldade de acesso a consoles de grandes fabricantes globais.
A China, por muitos anos, priorizou a produção de cópias de consoles e jogos estrangeiros, o que levou ao surgimento de versões alternativas não oficiais que circulavam no mercado. A proibição oficial de consoles no início dos anos 2000, que durou até 2014, contribuiu ainda mais para a limitação da indústria de videogames local.
Só que mesmo com esses obstáculos, a China começou a explorar o potencial dos mercado de jogos. Esse contexto criou o cenário ideal para o surgimento de uma nova geração de estúdios, que finalmente começaram a focar no desenvolvimento de títulos originais, com Black Myth: Wukong se destacando como o símbolo de uma nova era.
Vem com a gente entender melhor sobre a ascensão dos estúdios chineses com o lançamento de um dos games mais aguardados do ano!
Da adaptação à inovação dos games chineses
O desenvolvimento de jogos na China passou por uma grande transformação nas últimas décadas. Inicialmente, muitos estúdios chineses focavam em replicar o sucesso de jogos estrangeiros, criando produtos que imitavam grandes franquias, mas sem a mesma originalidade ou qualidade.
Com o aumento da demanda interna e a ascensão das plataformas digitais, os estúdios chineses começaram a investir mais em inovação, melhorando suas habilidades tecnológicas e criativas.
A transição de um mercado dominado por imitações para a criação de IPs originais foi lenta, mas sólida. Estúdios como a Game Science, desenvolvedora de Black Myth: Wukong, começaram a despontar com projetos que não só demonstravam a capacidade técnica da China, mas também traziam uma forte identidade cultural, se baseando em mitologias e histórias populares do país.
Esse movimento gerou na produção do Black Myth: Wukong, considerado o primeiro jogo "triple A" chinês, marcando o início de uma nova fase para os videogames da região.
Sucessos mobile e cópias descaradas
Antes da chegada de grandes jogos para console e PC, a China já havia se estabelecido como uma potência no mercado de jogos mobile. Jogos como Honor of Kings, desenvolvidos por gigantes como Tencent, se tornaram grandes sucessos, tanto no mercado doméstico quanto internacionalmente.
O modelo de negócios desses jogos, muitas vezes focado em microtransações e conteúdo freemium, foi muito replicado, gerando lucros imensos e consolidando a China como líder no segmento mobile. Porém, o sucesso da indústria chinesa de games também veio acompanhado de polêmicas.
Muitos estúdios, principalmente no passado, eram conhecidos por criar cópias descaradas de jogos ocidentais e japoneses, com pouca ou nenhuma originalidade, o que gerou uma percepção negativa da produção chinesa no cenário global.
Esse estigma começou a mudar com o surgimento de jogos mais inovadores e autênticos, como Genshin Impact, que, apesar de suas influências, apresentou mecânicas e um universo próprio.
A Influência do Famicom e o mercado pirata na China
Quando a Nintendo lançou o NES em 1985, o impacto foi tremendo no Ocidente, mas a realidade na China era bem diferente. Com o preço elevado de quase 150 dólares, o console estava fora do alcance da maioria das famílias chinesas, que viviam com uma renda mensal média de cerca de 13 dólares convertidos.
Importar um NES para a China era praticamente inviável, dado o custo e as tarifas. Isso significava que, para muitas famílias chinesas, adquirir um NES representava praticamente sacrificar um ano inteiro de despesas básicas, como alimentação.
No final dos anos 1980, a situação começou a mudar quando sistemas Famicom (a versão japonesa do NES) começaram a entrar na China como presentes de parentes que retornavam do exterior. Logo, o console foi pirateado. Empresas de Taiwan e da cidade industrial de Shenzhen começaram a clonar o Famicom, tornando o console acessível a um público muito maior.
Se considerarmos todas as cópias piratas do Famicom, é provável que tenha sido o console mais popular da história chinesa, com estimativas sugerindo que até metade das casas possuía algum tipo de console ou jogador de cartuchos na década de 1990.
Com o final dos anos 1990, os sistemas de estudo da SUBOR, uma das primeiras empresas a fabricar cópias do Famicom, se tornaram antigos e sem uso, sendo substituídos por clones do Sega Saturn e do PlayStation. Com isso, a desigualdade econômica manteve o Famicom vivo em muitas áreas rurais da China, onde as cópias piratas continuaram a circular.
Ainda hoje, cartuchos de múltiplos jogos são vendidos e novos desenvolvedores independentes continuam a criar jogos para o Famicom, mesmo mais de uma década após o último lançamento oficial do NES nos Estados Unidos.
Esses clones não apenas democratizaram o acesso aos jogos na China, mas também ajudaram a moldar uma geração de gamers e desenvolvedores, que cresceram em um ambiente onde a pirataria era uma forma de superar barreiras econômicas e sociais.
O primeiro triple A chinês e suas polêmicas
Black Myth: Wukong é um jogo da Game Science que, antes mesmo do seu lançamento, foi um marco na história dos videogames chineses. O game é um action RPG que segue a jornada de Sun Wukong, o Rei Macaco, um personagem icônico na mitologia chinesa.
O projeto impressionou o público global com seus gráficos de última geração, mecânicas complexas e uma fidelidade técnica que rivaliza com grandes produções ocidentais e japonesas.
O jogo rapidamente conquistou o público com suas impressionantes batalhas de chefes, visuais deslumbrantes e combates intensos. Embora tenha sido elogiado pela sua apresentação artística e dinâmica de batalhas, alguns críticos apontaram problemas técnicos e falta de variedade nos inimigos e no sistema de equipamentos.
A IGN deu ao game uma nota de 8/10, elogiando as lutas emocionantes contra chefes e o design visual, mas deixando como observação algumas frustrações devido a falhas técnicas. Já no Metacritic, o jogo recebeu a nota positiva 81, baseado em 89 críticas, e 8.3 baseada em 5.982 usuários da plataforma até a finalização deste artigo.
Em termos de vendas, o “jogo do macaco” foi um sucesso absoluto, alcançando 20 milhões de cópias vendidas no primeiro mês de lançamento, superando até títulos de grande sucesso como Elden Ring. Além disso, o jogo manteve uma base de jogadores ativa bastante alta, consolidando o título como um dos maiores lançamentos de 2024.
Como o primeiro título triple A desenvolvido inteiramente por um estúdio chinês, o jogo surgiu com grandes expectativas. A Game Science, uma empresa nova e composta por veteranos da indústria chinesa, abraçou a ambição de criar um jogo que colocasse a China no centro do cenário global de jogos de alta qualidade. Mas o game também enfrentou suas polêmicas.
A incerteza em relação à data de lançamento, a falta de atualizações constantes e rumores sobre crunch excessivo dentro do estúdio geraram debates entre os fãs e críticos. Apesar das controvérsias, Black Myth: Wukong é visto como um divisor de águas para a indústria chinesa, não apenas por sua qualidade, mas por representar o potencial criativo e tecnológico do país.
Apesar das críticas mistas em relação à profundidade de exploração e repetitividade em alguns aspectos, o jogo tem sido muito apreciado pela sua abordagem inovadora à mitologia e pelos combates intensos, o que o coloca como uma experiência indispensável para os fãs de RPG de ação e mitologia oriental.
O jogo promete abrir caminho para que outros estúdios chineses sigam o exemplo e lancem títulos de alta qualidade, transformando a percepção global sobre os games desenvolvidos na China. Com o crescimento da indústria, os próximos anos prometem trazer ainda mais novidades e fortalecer a posição da China no cenário global de jogos.