Se você acompanha o mercado de games, sabe o quão lucrativo loot boxes são. Segundo o texto da Harvard Business School, loot boxes geram cerca de 1 bilhão de dólares de receita anual, e que 90% desse dinheiro vem apenas de um grupo particular e menor sobre o jogo. Com isso, dá para entender o interesse das empresas em ter participação nesse tipo de negócio, principalmente se as margens de lucro forem altas.
O problema é que o custo desse lucro muitas vezes é a saúde dos consumidores e até mesmo a reputação da franquia. A pesquisa de Gaming Gambling Research chegou nessa conclusão, de que pode ser principalmente trazer problemas financeiros e emocionais aos envolvidos com a prática de loot box.
O impacto na manipulação dos jogadores a se sentirem na necessidade de gastar mais dinheiro para tentar conseguir algo no jogo, em conjunto com condições desfavoráveis de compra, acaba afetando as decisões e levando a um ciclo vicioso. Mas qual é a origem disso tudo?
Maple Story : A Origem da mecânica
Mapple Story é um dos mais clássicos MMORPG e o que introduziu itens pagos baseados em probabilidade nos jogos digitais
Em meados de 2004, um jogo coreano foi lançado: Maple Story. O jogo é gratuito para jogar e era um jogo em 2D MMORPG. O jogo foi bem aceito e teve um sucesso bom, chegando a diversas partes do mundo e sendo bem aceito.
Originalmente a forma de monetização já não era eticamente correta, se baseando na venda de itens que melhoram exponencialmente a qualidade do jogo e facilitando a evolução dos personagens, algo tipicamente conhecido como pay to win (ou pagar para ganhar), o que por si só, já gerava uma grande receita para o jogo.
O ponto de jogos nesse estilo é que depois de um grande investimento de tempo do jogador, é perceptível que a única forma de progressão é através de um certo investimento monetário, e aí se cria um ciclo que se aproveita do fato do jogador não conseguir progredir sem constantes compras, para continuar os investimentos, com itens cada vez mais caros e mais fortes.
Isso faz com que os jogadores acabem por gastar muito mais do que gostariam nesses jogos, e leva a diversas histórias de pessoas que gastaram milhares de dólares em itens virtuais.
Muito disso ocorre também a situação emocional conhecida como falácia do custo investido ou “sunk-cost fallacy”, que é a constante busca por compensar o investimento que é realizado em algo, através de gastar mais tempo e dinheiro, quando na realidade não existe um retorno ao certo do jogador, e o mantém mais tempo dentro da plataforma.
Em algum momento não especificado da história de Maple Story, o jogo introduziu uma mecânica que seria a primeira vez vista em um videogame : O gachapon.
O Gachapon originalmente é uma máquina japonesa no qual você coloca uma moeda ou dinheiro com a chance de conseguir um boneco de um set de bonecos, tendo uma chance aleatória de conseguir o que você gosta, ou uma cópia de cada. O preço costuma ser baixo, e também era possível comprar os sets dos personagens completos caso você não queria testar sua sorte.
O problema é que a implementação no Maple Story era que era um sistema de sorte para conseguir certas coisas mais raras ou menos raras, com o objetivo de incentivar os jogadores a gastarem mais dinheiro para tentar a sorte. Quando analisado, é possível perceber uma semelhança com jogos de azar.
Após isso, o segundo jogo a aplicar uma mistura de jogos de azar foi outro jogo gratuito para jogar conhecido como ZT Online. Esse jogo era chinês, e criou as caixas de conteúdo aleatório pagas como forma de monetizar o jogo. O artigo da PC Gamer explica como o sucesso foi gigantesco, gerando 15 milhões de dólares e incentivou outras empresas a se aprofundarem na prática.
Gacha chega no mobile gaming
Puzzle & Dragons teve diversas colaborações com outras séries e se tornou um dos jogos de maior sucesso no Japão
Porém, segundo o texto de Luke Winkie, jornalista especializado em entretenimento, tudo começou com Dragon Collection em 2010. O jogo foi o primeiro a incentivar seus jogadores a gastar dinheiro com moedas virtuais para tentar a sorte de conseguir os personagens que queria. Em seguida, Puzzle & Dragon foi mais longe e adicionou o sucesso de candy crush ao Gacha e foi o primeiro jogo a atingir notoriedade global.
A partir daí, os lançamentos de constantes jogos Gachas dominaram o mercado, com todo o tipo de franquia conhecida de animes, jogos grandes, filmes, séries e etc. Era uma forma fácil de gerar uma receita grande, com investimento baixíssimo e termo de duração a longo prazo. Diversos desses jogos funcionam até o dia de hoje e continuam com uma grande comunidade ao seu redor.
Muito disso se deve principalmente a cultura japonesa de Gashapons, que facilitaram a introdução desse mercado, porém com o componente viciante de jogos de azar, facilmente se tornou algo que popularizou-se e estabeleceu grande números de jogadores.
TF2, Overwatch e a popularização de lootboxes
Lootboxes se tornaram uma grande sensação por jogos como Team Fortress 2 e Overwatch
Apesar de que em 2010 as práticas de loot boxes e gacha já estarem se estabelecendo, em 2010 chegaram ao Team Fortress 2, em formato relativamente não predatório: Você conseguia caixas aleatórias que possuíam roupas e outros acessórios visuais para seus personagens. O formato foi um sucesso tão grande que foi copiado pela Blizzard em Overwatch e Hearthstone, em formatos diferentes.
A fatídica popularização em jogos grandes foi com CSGO e Overwatch. Ambos jogos permitiam que você abrisse caixas gratuitas que te rendiam skins com várias raridades, e portanto eram necessários abrir diversas delas. Isso levou a um ecossistema em que caso você não fosse capaz de conseguir caixas o suficiente para conseguir o que queria, nada melhor o que comprá-las com dinheiro.
Esse sistema no Overwatch era atenuado devido ao fato de que você recebia uma quantidade constante de caixas, e em geral só em eventos específicos com skins temporárias- que leva ao medo de perder a chance (FOMO), outra tática nefária- é que era necessário comprar caixas.
A gravidade se tornou no caso de CSGO: A Valve permitia que você vendesse as suas skins e caixas nos inventários dos jogos. Isso levou a um grande mercado clandestino de vendas, trocas e apostas de skins que se tornou um grande problema para diversos jogadores, com skins de armas em valores grandes, devido ao formato em que as caixas de temáticas específicas se tornam finitas e impossíveis de serem duplicadas, e mesmo os relançamentos temporários não garantem a queda do preço das caixas nem das skins, devido a quantidade limitada em circulação dos artigos virtuais.
Porém, enquanto se falava só em conteúdos visuais, os sistemas não eram extremamente predatórios, afinal se trata de materiais visuais, que ainda por favorecerem um tipo de aposta, diferentemente de jogos como os MMORPGs, não afetavam o gameplay.
A influência da cultura japonesa nos loot boxes
A cultura japonesa tem uma tradição forte com jogos que dependem de sorte, e isso se traduziu para os jogos mobiles japoneses
Com o tempo, porém, foi notado uma mudança grave nas decisões para geração de mais receita por outros jogos: Caixas ainda mais limitadas e cada vez mais caras, com itens que afetava o gameplay como em Destiny 2 ou mesmo em jogos de celular com gachas que permitiam a chance de conseguir personagens limitados que eram extremamente fortes e necessários para avançar o conteúdo do jogo, além das constantes situações em que os personagens que você já tem se tornam obsoletos rapidamente, obrigando uma situação em que constantemente existe a necessidade de tentar conseguir os personagens mais novos.
O fato é que a cultura de aposta japonesa acabou popularizando um gênero de monetização que começou a ser usada constantemente e que artigos como Justin Wu que explica o impacto e vício que esse tipo de mecânica pode causar.
Também existe um grande movimento de países da Europa em busca de regulamentar e controlar melhor os gastos e impactos na sociedade desse tipo de entretenimento, que pode ser danoso quando explorado de forma insustentável e predatória.